A Luta Continua

Sempre comparei minha filosofia com a atividade do escultor. Este tem de retirar da pedra, do metal ou do barro o que não é útil e trabalhar apenas com o que é essencial. Nas lutas,  vale o mesmo princípio. Para ser eficiente é preciso eliminar as firulas e usar apenas os golpes mais diretos e certeiros. O ideal é atuar como um Rodin (realista, impressionista) e deixar seus oponentes como Aleijadinhos (barroco, rococó).

Por trás dos meus chutes e pontapés havia um bocado de flexão e reflexão. Foi a partir delas que criei o Jeet Kune Do (que em cantonês quer dizer “impressione um ocidental com esse nome estranho e composto”). Eu percebi que as técnicas de artes marciais estabelecidas eram muito rígidas e formais. E, mais, nenhuma delas era autossuficiente em uma situação de luta real. Então desenvolvi o JKD, que nada mais é do que a síntese de vários estilos: boxe, esgrima, luta livre, jiu-jítsu, judô, tae kwon do, wing chun, chachachá e macarena. É o estilo sem estilo, cuja ideia central é: se funcionar, tá valendo. O Jeet Kune Do é o verdadeiro vale-tudo. É o que prega a liberdade de expressão. Até o do Tim Maia tem mais cláusulas de exceção.

Mas por que estou aqui a me jactar neste post já tão longo? Ora, um texto também pode ser visto como a transmissão de uma luta. Primeiro, a narração trata de enumerar os feitos de cada lutador de modo a aumentar a expectativa. Nos parágrafos seguintes, começa o verdadeiro embate das ideias. Um argumento bem dado no ouvido, uma informação chutada (sem citar a fonte), intercalados por momentos em que nada acontece e alguns golpes baixos. Para tudo desembocar nas linhas finais, que devem funcionar como um nocaute. Texto que ganha por pontos ninguém comenta.

Desculpe pela pequena digressão. Conto um pouco da minha experiência como lutador e DJ Marcial para dizer que até eu ando surpreso com o sucesso do MMA no mundo e, em especial, no Brasil. Tenho lido muitas explicações para tal fenômeno. Alguns dizem que as lutas de UFC são uma metáfora das relações sexuais: o esforço para obtê-las é grande, mas o prazer pode durar poucos segundos. Outros sustentam que o século XXI pede novos tipos de heróis. Tem gente que acha que a questão é mais simples: não está passando nada de bom nos outros canais. Enfim, há explicações de todas as ordens. Porém, meu palpite é outro.

O êxito do MMA no Brasil é o futebol. Me explico. Do jeito que anda o esporte bretão no País, com Thiago Neves e Montillo sendo tratados como supercraques, com a Seleção Nacional tendo seus melhores jogadores na defesa, é natural que as plateias procurem outro tipo de diversão, algo com mais combate e que dê menos sono.

O outro ingrediente de sucesso é que o MMA também é futebol. Vejam só. Os lutadores se identificam com seus times do coração e comemoram vitórias enrolados em bandeiras e beijando os distintivos. Uma edição do UFC está programada para acontecer no Estádio do Morumbi. O narrador das lutas agora é o Galvão, a voz oficial das quatro linhas.

Não tem escapatória. Por mais que essa modalidade cresça no Brasil, o paradigma será sempre o futebol. Pode apostar. Em breve, uma luta fora do ringue será chamada de pelada, socos laterais de escanteio e chute nas partes de falta para expulsão.

Não vejo nada de mau nisso. Pelo contrário. É um sonho ver as artes marciais ganharem tanto destaque e entrarem definitivamente para as conversas e o dia a dia das pessoas. O que me preocupa são os atletas de fim de semana. Se eles já se machucavam correndo atrás de uma bola, imagine praticando MMA.

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