hoje já não tenho mais a força bruta
de disputar comigo mesma o arrocho de mim.
vivo de amordaçar o oco
afundir o choro
submergir os gritos
não fazer a conta das contas que fiz.
divulgo que há alimento
no estômago vazio da minh’alma
pra ludibriar o algoz
e pôr cor de validez na face,
umbral do meu fingimento.
hoje não tenho mais a fragilidade vil
de entregar as setas do labirinto que sou,
execrando a possibilidade do esconderijo
em que dissimulo estar quando apareço.
abro de fachada as janelas
mas não descuido de tamponar as frestas,
que abrigam as entradas mais livres
e arejam a minha tristeza absoluta.
troquei as rodas de moinho por engrenagens
forjando metros em milímetro
mentindo um punhado em único grão
para apascentar de vez os pastores de meu rebanho.
embrulhei sorrateiramente a minha sobra
e coloquei um vulto atrás do meu corpo,
domesticando os meus passos
e dos rastros fazendo a orla de minhas margens.
colori a minha dor
e deixei o cinza debaixo da máscara,
improvisada de maquilagens de luz
e perpetrada de brilho falso.
desguardei a carcaça e as cascas
em continentes vastos contrafeitos.
Remanescente do que eu era,
retifiquei sentimentos e silêncios,
e para estrear a fantasia,
fiz de fazer outra em mim.
Na insolubilidade,
pr’eu me rescindir de ter que ser
sinceramente de fazer de conta,
fui eu mesma que me desfiz.
– Denise Resende
Lindo poema: remete à nossa inequívoca fragilidade humana.
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Dília, obrigada pelas palavras gentis. Este é um poema que transforma matéria-prima dolorida em algum tipo de manisfestação de beleza, a poesia.
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